segunda-feira, 31 de maio de 2021

CPI da Covid: o que será investigado sobre suposto ‘ministério paralelo’ de Bolsonaro

 


As suspeitas em torno de um “gabinete paralelo” que aconselharia o presidente Jair Bolsonaro nas estratégias de enfrentamento da covid-19 devem ser um dos principais focos dos próximos depoimentos da CPI da Covid, cujas convocações foram definidas pelos senadores na última quarta-feira (26/5).

Serão convocados nas próximas sessões nomes como o empresário Carlos Wizard (em 17 de junho) e o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub (ainda sem data) e, na semana passada, já havia sido definido um convite à médica Nise Yamaguchi, que deve depor na terça-feira (1° de junho).

Nenhum deles ocupou cargo oficial no Ministério da Saúde, mas todos participaram de eventos e reuniões oficiais com Bolsonaro para tratar de assuntos relacionados à pandemia.

Para os senadores de oposição, é nesse suposto “ministério paralelo” — o qual, ao menos nos primeiros meses da pandemia, teria agido a contragosto das orientações do Ministério da Saúde — que teria sido elaborada a estratégia de apostar na hidroxicloroquina e na imunidade de rebanho por contaminação, em vez de por vacinação.

Governistas afirmam, por sua vez, que essa tese é uma narrativa construída pela oposição para tentar criminalizar o comportamento de Bolsonaro.

Mas críticos afirmam que a influência de vozes de fora do Ministério da Saúde fez com que medidas equivocadas fossem adotadas no combate ao coronavírus, com impacto também sobre a compra de vacinas.

Em entrevista coletiva em 13 de maio, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, afirmou que “existia um comando no Palácio do Planalto que compreendia como estratégia para enfrentamento da pandemia a contaminação de todos, a cloroquina como solução, e a chamada imunidade coletiva. Esse comando não apostava nos meios da ciência”.

Essa argumentação foi amplificada no último final de semana, quando uma reportagem do portal Metrópoles recuperou vídeos de Arthur Weintraub dizendo, no início da pandemia, que havia tomado a iniciativa de reunir médicos pró-cloroquina para assessorar o presidente da República (leia mais abaixo).

Os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também confirmaram à BBC News Brasil que a atuação desse suposto “assessoramento paralelo” é uma das principais conclusões das primeiras semanas de depoimentos na CPI.

“Chama a atenção esse gabinete paralelo que dava orientações contrárias às oficiais às (dos ex-ministros da Saúde) Mandetta e Teich”, disse Vieira.

Governistas, no entanto, negam a existência de uma estrutura sobreposta à do Ministério da Saúde.

“Não é ilegal ou impróprio ele (Bolsonaro) se aconselhar com pessoas que não façam parte da administração pública, isso não é proibido. O que tem de exagerado é dizer que existia esse gabinete paralelo, como se fosse uma coisa se sobrepondo ao Ministério da Saúde. Isso nunca existiu, é uma teoria conspiratória”, diz à BBC News Brasil o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Congresso e suplente na CPI.

“É uma mera narrativa política, para tentar criar base material para criminalizar as ações do presidente da República. Não tem materialidade para avançar.”

Ao depor à CPI, os também ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) disseram não ter conhecimento de conselheiros extraoficiais que tivessem influência sobre o presidente.

E ao depor à CPI, na última terça (25/5), a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, disse que “nunca” participou de nenhuma reunião com pessoas alheias à estrutura do Ministério da Saúde.

A seguir, veja quais foram as revelações feitas na CPI e fora dela que levantaram as suspeitas em torno de um “gabinete paralelo”.

‘Contraposição à estratégia do Ministério da Saúde’

Uma das primeiras menções a esse suposto aconselhamento extraoficial foi feita pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, demitido do Ministério da Saúde em 16 de abril.

Em seu livro Um Paciente Chamado Brasil, publicado em setembro, Mandetta afirma que, ainda no início da pandemia, em março de 2020, “Bolsonaro passou também a buscar a assessoria de outras pessoas para se contrapor aos dados e à estratégia do Ministério da Saúde. Chamou o (deputado) Osmar Terra e a médica Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina como remédio salvador contra a covid-19, para uma conversa. O Palácio do Planalto passou a ser frequentado por médicos bolsonaristas”, escreveu.

Prossegue Mandetta: “Percebi que ele (Bolsonaro) estava convocando por conta própria pessoas alinhadas à política que ele achava adequada, que era a da defesa da cloroquina e a da abertura da economia”.

Nise Yamaguchi chegou a ser cotada para o Ministério da Saúde, mas não tem cargo oficial no governo. Apesar disso, foi citada pela emissora estatal TV Brasil como “integrante de um comitê de crise no combate ao coronavírus junto ao governo”, em entrevista concedida pela médica em 7 de julho de 2020.

Na entrevista, a médica falou que o principal era “tratar precocemente” o coronavírus e defendeu o uso hidroxicloroquina contra a covid-19, embora o medicamento seja contraindicado por todas as principais agências internacionais e sociedades médicas, por seus efeitos colaterais e porque os estudos clínicos mais qualificados apontaram, até agora, a ineficácia da droga contra o coronavírus.

Osmar Terra (MDB-RS), por sua vez, é próximo ao presidente Bolsonaro e um dos defensores da ideia de que seria a imunidade por contaminação — em vez do isolamento social — que faria a contenção do coronavírus entre grupos menos vulneráveis.

Embora o Ministério da Saúde nunca tenha oficialmente adotado a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas, Bolsonaro disse diversas vezes que a contaminação da maioria da população era inevitável e que “ajudaria a não proliferar” a doença.

“Muitos pegarão isso (vírus) independente (sic) dos cuidados que tomem. Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde”, afirmou Bolsonaro em 15 de março de 2020 à CNN Brasil.

No mês seguinte, Bolsonaro afirmou que “o vírus vai atingir 70% da população, infelizmente é uma realidade”.

Do ponto de vista científico, a imunidade de rebanho é obtida por meio de vacinação, criando-se uma proteção coletiva contra determinada doença, e não facilitando-se a contaminação — algo que, no caso da covid-19, potencialmente aumenta o número de mortes e dá oportunidade para o vírus desenvolver novas variantes mais perigosas.

Em seu depoimento, Eduardo Pazuello afirmou ter ouvido a tese de imunidade de rebanho de Osmar Terra. Mas, questionado se a estratégia foi adotada na pandemia, Pazuello respondeu que “em hipótese alguma”.

Mayra Pinheiro também foi na mesma linha, dizendo que a tese de imunidade de rebanho não poderia ser usada em grandes populações como a brasileira.

Bula da cloroquina

Tanto Mandetta quando seu sucessor, Nelson Teich, citaram em seus depoimentos à CPI a influência de “outros profissionais” que não os da pasta da Saúde na definição da estratégia oficial contra o coronavírus.

Mandetta fez menção a uma reunião dentro do Palácio do Planalto “de vários ministros e médicos” na qual havia “um papel não timbrado de decreto presidencial para que fosse sugerido que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), colocando na bula a indicação de cloroquina para o coronavírus”.

Essa reunião foi confirmada no depoimento de Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa, que declarou que a minuta de mudança de bula fora comentada por Nise Yamaguchi.

“(Isso) provocou uma reação até um pouco deseducada minha, de dizer que aquilo (mudança de bula) não poderia ser”, afirmou Barra Torres.

O tema provavelmente voltará a ser abordado no depoimento de Nise Yamaguchi na próxima terça. Pelo Twitter, a médica declarou em 16 de maio que “bulas por decreto não existem”. “Existe sim evidência científica acumulada e de credibilidade sustentando condutas de médicos maravilhosos do mundo inteiro.”



Terra

Nenhum comentário:

Postar um comentário